A inteligência artificial transformou a forma como cientistas estudam proteínas e suas interações, e agora essa tecnologia pode revolucionar o desenvolvimento de antídotos contra venenos de cobra.
Um estudo publicado na revista Nature apresenta uma inovação promissora: proteínas projetadas por IA que inibem algumas das toxinas presentes em venenos letais.
A pesquisa contou com a participação de David Baker, cientista da Universidade de Washington, que recebeu recentemente o Prêmio Nobel por suas contribuições na área de bioquímica computacional.
Sua equipe utilizou ferramentas avançadas de IA para criar novas proteínas que se ligam a toxinas específicas, bloqueando seus efeitos no organismo.
Embora o trabalho ainda não forneça um antídoto universal, os resultados mostram como a IA pode acelerar descobertas que antes levariam anos.
Como a IA criou proteínas capazes de bloquear venenos
Os cientistas direcionaram seus esforços para as toxinas de três dedos, um grupo de proteínas altamente tóxicas encontradas em cobras como mambas, taipans e najas.
Essas toxinas atuam de duas formas: algumas bloqueiam neurotransmissores essenciais para a comunicação entre células nervosas, enquanto outras destroem membranas celulares, causando danos severos aos tecidos.
Para neutralizar os efeitos neurotóxicos, a equipe usou um pacote de IA chamado RFdiffusion, que projetou estruturas de proteínas capazes de se encaixar perfeitamente nas toxinas.
Em seguida, outro software, o ProteinMPNN, identificou as sequências de aminoácidos ideais para estabilizar essas proteínas.
As melhores combinações foram testadas por meio do AlfaFold2, ferramenta da DeepMind, e do software Rosetta, que analisaram a força da interação entre as proteínas criadas e as toxinas reais.
A partir dessas simulações, os pesquisadores fabricaram proteínas em laboratório e testaram sua eficácia.
Nos experimentos com camundongos, uma das proteínas conseguiu neutralizar totalmente o efeito da neurotoxina, desde que aplicada em quantidade suficiente.
O tratamento se mostrou eficaz até mesmo quando administrado 30 minutos após a injeção da toxina, o que reflete melhor um cenário real de picadas de cobra.
Por outro lado, a abordagem não funcionou para toxinas que destroem membranas celulares.
Mesmo com inibidores que se ligaram corretamente à toxina em testes laboratoriais, os experimentos com camundongos não mostraram melhora significativa nas lesões.
Os cientistas suspeitam que a estratégia de ataque escolhida pode ter focado em um ponto errado da proteína-alvo.
Mesmo sem resolver completamente o problema dos venenos de cobra, o estudo demonstra o enorme potencial da IA na biotecnologia.
Sem essas ferramentas, encontrar proteínas que se ligassem corretamente às toxinas levaria anos de tentativas e erros, e muitas possibilidades seriam descartadas antes mesmo de serem testadas.