A Portaria SPA/MF 1.143/2024, publicada na sexta-feira (12), estabelece políticas, procedimentos e controles internos de prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (PLD/FTP) para os agentes operadores de apostas de quota fixa.
A determinação da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda prevê sanções que podem chegar à multa de R$ 20 milhões e cassação da atividade para as empresas que não cumprirem as obrigações.
Segundo o advogado Eduardo Bruzzi, sócio do BBL Advogados e responsável pela área consultiva regulatória de Payments, Banking, Fintech & Crypto, as novas regras, inspiradas na Circular BCB 3.978/2020, que regula o tema no setor financeiro, demonstram a seriedade com que o órgão regulador trata o assunto.
“Os operadores de apostas serão obrigados a implementar fluxos e procedimentos, como conhecer seus clientes (Kyc), empregados (Kye), parceiros comerciais (Kyp) e fornecedores (Kys)”, alerta.
Os procedimentos devem ser formalizados em documentos próprios e baseados em metodologias específicas do setor, como a abordagem baseada em risco. Anualmente, um relatório de avaliação interna das práticas adotadas deve ser enviado à SPA, assegurando conformidade com as políticas, procedimentos e controles estabelecidos.
Os operadores também devem se habilitar no Sistema de Controle de Atividades Financeiras (Siscoaf) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), mantendo dados atualizados e comunicando quaisquer suspeitas de PLD/FTP. Caso não haja nenhuma situação suspeita durante um ano civil, é necessário enviar uma comunicação de não ocorrência à SPA.
Ainda de acordo com Bruzzi, essas iniciativas são cruciais para garantir segurança e integridade nas operações de apostas esportivas, exigindo controles rigorosos e monitoramento de atividades suspeitas. “A nova regulamentação busca promover mais transparência e confiança no mercado”.
Bruzzi também considera a portaria um marco importante para o setor de apostas. “Ela não só alinha as práticas do setor de apostas com os padrões já estabelecidos no setor financeiro, mas também reforça a necessidade de uma postura proativa e vigilante por parte dos operadores para garantir um ambiente mais seguro e transparente.”
- Leia também: Bitcoin hoje 14/07/2024: preço do Bitcoin volta para US$ 60 mil com recuperação dos touros e nova alta de 2%
Apostas e privacidade
Na mesma linha, Victor Ferreira Arichiello, advogado criminalista e de Compliance do Pimentel e Fonti Advogados, avalia a portaria como mais um dos passos necessários no controle e regulamentação das apostas esportivas. “A ideia é bem vinda, porque detalha obrigações já criadas na lei promulgada em 2023 sobre o tema, fechando ainda mais o cerco contra a lavagem de dinheiro em um setor relativamente novo e com pouca supervisão”, diz.
Arichiello ressalta que a nova norma conversa também com a Lei Geral do Esporte ao criar a obrigação de monitoramento e identificação de suspeitas de manipulação de resultados.
“Alguns pontos exigirão esforço das empresas, ante a potencial dificuldade de verificar, por exemplo, se o volume das operações é compatível com a renda. Isso impõe a necessidade, por exemplo, de comprovação documental, não bastando uma declaração simples na abertura ou renovação do cadastro”, comenta o advogado.
Arichiello complementa que a portaria é positiva e detalhista ao abordar pontos específicos relacionados à possibilidade de lavagem de dinheiro através de apostas, como a identificação de “bolsas de apostas”, quando há aporte em resultados diferentes para lavar dinheiro. “Será com a prática, contudo, que ela será aprimorada, como é normal nesses casos”, conclui.
Já Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista, entende que o ato normativo estabelece uma estrutura jurídica capaz de tratar temas sensíveis, especialmente relacionados à definição de mecanismos e processos eficazes para monitorar a atividade do apostador das chamadas bets.
“Será importante para identificar danos associados ao jogo e de prevenção de lavagem de dinheiro, com tratamento próprio para o recebimento de informações dos operadores, a exemplo de gastos do apostador, padrões de gastos, tempo gasto jogando, indicadores de comportamento de jogo, contato liderado pelo apostador e uso de ferramentas de gerenciamento de jogos de azar. Incluindo-se aí obrigação do agente operador comunicar ao Coaf apostas e outras operações a elas associadas quanto às quais se conclua, após análise, a existência de indício de prática de branqueamento de capitais ou outro delito correlato”.
Bets
Para Daniel Bialski, mestre em Direito Processual Penal e sócio do Bialski Advogados Associados, a regulamentação publicada hoje e que começa a valer em 2025 “mostra que não serão toleradas quaisquer espécie de omissões quanto à lavagem de dinheiro ou crimes correlatos”.
“Em diversas passagens foram instituídas obrigações para as empresas e com certo rigor. Por exemplo, terão a obrigação de saber quem de fato está apostando. Se a pessoa poderia apostar a quantia que colocou. Se tem capacidade econômica para apostar certos valores. Se é pessoa politicamente exposta ou que poderia ter interesse em determinadas apostas, entre tantas outras. Por isso, para mostrar lisura e transparência, e especialmente para se certificar que cumpriram com esse regramento, as empresas terão que criar regras de fiscalização e compliance, necessárias para investigar e ter a certeza que não foram utilizadas, ainda que sem conhecimento, para lavagem de dinheiro de organizações criminosas em geral”.
Carolina Carvalho de Oliveira, criminalista, sócia do escritório Campos & Antonioli Advogados Associados, lamenta que a Portaria baixada nesta sexta-feira deixe a cargo do agente a análise de risco em avaliação interna, “o que pode gerar insegurança e subjetividade quanto à existência ou não do indício do crime. Qualquer irregularidade levará o agente a um processo administrativo sancionador, o que gera a expectativa de publicação de uma nova Portaria, em 2025, para esclarecer essas regras”.
Já o criminalista Fernando Hideo, sócio do Warde Advogados, professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito, considera que o Ministério da Fazenda tem feito um ótimo trabalho “para regulamentar esse ambiente ainda muito pouco regulado, mas cada vez mais popular no país, que é o mercado das apostas esportivas virtuais”.
“Porém é preciso muita atenção e empenho na fiscalização para que não haja desvirtuamento do caráter recreativo e de entretenimento das apostas esportivas, evitando-se a exploração do vício entre os apostadores e coibindo-se práticas criminosas de lavagem de dinheiro e financiamento do crime organizado”, enfatiza.